Posso doar um imóvel para somente um dos meus filhos?

Posso doar um imóvel para somente um dos meus filhos?

Doar um imóvel para um filho pode parecer um gesto simples de amor e proteção familiar. Contudo, essa decisão envolve mais do que sentimentos – exige um entendimento detalhado das consequências legais e patrimoniais. 

Sim! A lei permite a doação de bens para descendentes. Mas, há algumas regras que precisam ser observadas para garantir que essa doação seja válida e justa para todos os herdeiros e é sobre elas que falaremos hoje!

1. Doação para descendentes: o que diz a lei?

    A primeira coisa que precisamos saber antes de doar um imóvel para um filho é: se este imóvel corresponder a até 50% do patrimônio do doador, a doação é possível e não é nem mesmo necessária a concordância dos demais herdeiros para isso. O art. 544 do Código Civil nos traz esse direito e diz que essa doação será considerada um adiantamento da herança:

    Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge ao outro, importa em adiantamento do que lhes cabe por herança.

    Isso significa que o bem doado será contabilizado como parte da herança que o filho (donatário) receberia futuramente. Ou seja, ao fazer uma doação em vida para um filho, o pai ou a mãe está adiantando parte do valor que este filho ou filha receberia quando ele viesse a falecer.

    2. O limite da legítima: até onde eu posso doar?

    O patrimônio de uma pessoa falecida é dividido em duas partes principais:

    • A legítima: Metade do patrimônio é reservada para os herdeiros necessários (filhos, cônjuge ou pais). Essa parte é imutável e deve ser igualmente dividida entre os herdeiros;
    • A parte disponível: A outra metade do patrimônio pode ser destinada livremente pelo doador, seja por doação em vida ou por testamento, independentemente do vínculo familiar. 

    Ou seja, cada pessoa só pode fazer o que quiser com até metade dos seus bens. A outra metade, obrigatoriamente, é reservada para os seus herdeiros.

    Se o imóvel a ser doado a um filho ultrapassar os 50% livres, o excesso deverá ser compensado aos demais herdeiros no inventário. 

    Por exemplo: Ana tem dois filhos, João e Sérgio, e duas casas avaliadas em cem mil reais cada uma. Ela reside em uma delas e a outra está desocupada. Agora João está prestes a se casar e Ana deseja doar essa segunda casa para ele. Ana pode fazer isso?

    Sim! Uma vez que o patrimônio de Ana é de duzentos mil reais e ela pode dispor livremente de 50% dele, ela pode doar esse imóvel para João e nem precisa da autorização de Sérgio para isso.

    Agora, vamos supor que esse segundo imóvel valesse, sozinho, trezentos mil reais. Neste caso, Ana não poderia doá-lo à João, pois só este imóvel já corresponde à 75% do seu patrimônio e ninguém pode dispor de mais da metade dos seus bens, uma vez que essa parte é reservada aos herdeiros.

    Se mesmo assim Ana o doasse, quando ela viesse a falecer, Sérgio deveria ser compensado pelos 25% a mais que João recebeu de herança de maneira antecipada.

    3. Como será o inventário quando o pai ou a mãe falecer?

    Quando o doador (no caso, o pai ou a mãe) falece, abre-se o processo de sucessão, onde os herdeiros precisam formalizar a divisão dos bens. Para assegurar uma divisão justa, a lei exige que o filho que recebeu uma doação em vida traga o bem recebido à colação, ou seja, informe no inventário que já recebeu uma doação e que lhe foi adiantada uma parte da herança. Esse procedimento está previsto no artigo 2.002 do Código Civil:

    Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

    A colação serve para evitar que um herdeiro receba uma parte injustamente superior a dos demais. Se o filho não realizar a colação, ele poderá ser acusado de sonegação, o que pode ter consequências jurídicas sérias.

    No caso de Ana, para que ambos os filhos recebam igualmente o patrimônio de duzentos mil reais que era dela, após o inventário, Sérgio ficará com o outro imóvel de cem mil e João não receberá nada, uma vez que já foi beneficiado pela doação em vida.

    4. Exceção para privilegiar um herdeiro: doação que dispensa a colação.

    Caso o pai ou mãe doador deseje privilegiar um filho em detrimento de outro e não somente lhe adiantar a parte que lhe cabe na herança, isso também é perfeitamente possível.

    Digamos que a Ana, do nosso exemplo anterior, já é uma idosa que necessita de cuidados constantes. Sérgio, o seu filho mais velho, se mudou para morar com ela e dedica sua vida a zelar pela mãe, enquanto João, seu irmão, mal a visita. Por causa disso, Ana gostaria de deixar todos os seus bens para Sérgio. Isso é possível? 

    Não, não é! E já falamos sobre isso no nosso post sobre “posso deixar todos os meus bens para um filho só?”, que você pode ler clicando aqui.

    Contudo, há a possibilidade de Ana privilegiar Sérgio deixando-o com uma parte maior dos seus bens do que João. Você se lembra que o patrimônio dela é de duzentos mil reais? Com metade dele, ela pode fazer o que quiser, certo? Ela pode doar até metade dos seus bens para qualquer um, inclusive para… o seu filho, Sérgio! 

    Se Ana doar um dos seus imóveis de cem mil reais para ele, deixando claro na escritura de doação que o imóvel doado integra a parte disponível do seu patrimônio (ou seja, aqueles 50% com que se pode fazer o que quiser), quando ela falecer e for aberto o inventário, Sérgio e João terão direito a 50% cada um dos bens restantes, ou seja, o imóvel restante deverá ser dividido igualmente entre os dois irmãos. 

    No fim das contas, Sérgio, que cuidou da mãe, ficará com cento e cinquenta mil reais em bens, e João somente com cinquenta.

    Esse procedimento é essencial para evitar questionamentos no futuro, pois impede que os demais herdeiros exijam que o bem seja somado ao inventário.

    5. Doação estratégica

    Como pudemos ver, a doação de imóvel para um filho é válida e inclusive pode servir de estratégia no seu planejamento patrimonial, mas é importante respeitar os limites impostos pela lei, garantindo que essa doação não prejudique os demais herdeiros. O processo envolve passos específicos, desde a escritura pública até a colação no inventário, e exige atenção às regras para evitar conflitos familiares.

    Se você está considerando doar um imóvel para seu filho e quer se certificar de que tudo será feito de forma justa e legal, entre em contato comigo clicando aqui. Vou ajudá-lo a planejar cada detalhe da doação, garantindo que você proteja seu patrimônio e seus herdeiros.

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